terça-feira, 9 de junho de 2009

Grupo de Estudo Gestão do Conhecimento

Grupo de estudo da disciplina Gestão do Conhecimento do Centro Universitário de Belo Horizonte - UNIBH


Grupo criador deste blog.
Da esquerda para direita:
Frederico Goulart (azul)
Cássio de Araújo (vermelho)
Lilian Carvalho (cinza)
Ana Paula Nunes (preto)
Suellen Sernizon (rosa)
Sivanil do Carmo (verde)

CASE: GOOGLE


Por dentro da empresa que dominou o mundo

Em apenas uma década, o fenômeno Google conquistou um em cada seis habitantes do planeta e tornou-se símbolo da empresa do século 21. Agora enfrenta o desafio de continuar a crescer sem perder sua cultura vencedora.

Por Larissa Santana, de Mountain View

O silêncio impera nos corredores e escritórios dos 30 prédios que compõem a sede do Google, em Mountain View, uma das cidadezinhas que compõem o mítico Vale do Silício, na Califórnia. Apesar do cenário típico de parque de diversões para adolescentes -- pebolins, máquinas de fliperama e consoles do Wii estão espalhados por quase todos os andares --, os cerca de 9 000 funcionários que trabalham ali têm pouco tempo para se divertir durante o expediente. Vestidos quase sempre com jeans, camiseta e tênis, esses jovens vindos de diversas partes do mundo raramente conseguem desgrudar os olhos de seus computadores. Alguns estão tão atarefados que chegam a pendurar uma placa nada receptiva com a ordem "Keep out"(ou "Fique fora") na entrada de suas baias ou salas. Os googlers, como são conhecidos os funcionários da corporação mais descolada do mundo, estão ocupados demais em fazer girar o motor de uma empresa cujas vendas cresceram mais de 1 000% nos últimos cinco anos. As partidas de pingue-pongue ou vôlei de praia podem esperar o final do expediente...
No oceano caótico de informações da internet, o Google conseguia estabelecer ordem, colocar prioridades. Page e Brin também inovaram -- e essa palavra cabe aqui como nenhuma outra -- ao mudar a dinâmica da publicidade online com os links patrocinados, anúncios exibidos na lateral de suas páginas, separados dos resultados de busca, e em uma rede de sites parceiros. Como esses anúncios aparecem de acordo com os termos buscados pelos internautas, os anunciantes têm acesso a consumidores diretamente interessados em seus produtos -- e só pagam ao Google quando alguém clica em seus links. Graças a esse formato, o Google tornou-se ao mesmo tempo um gigante da tecnologia e um colosso de mídia, com faturamento superior a 16 bilhões de dólares. E o mercado anunciante, antes restrito a um grupo de empresas, ganhou dimensões inimagináveis, acolhendo desde uma montadora como a GM até a São Bento Manutenção e Obras, pequena empresa de São Paulo que oferece serviços de chaveiro, pintor e marceneiro. Hoje, mais de 1 bilhão de pessoas usam os produtos do Google para achar informações na internet -- o que representa a proporção de um em cada seis habitantes do planeta. Sua influência na vida cotidiana dessa multidão é tamanha que o termo Google já virou verbo em dicionários de inglês, alemão, finlandês e japonês. Em português corrente, pesquisar na internet já se transformou em "googlar". (A palavra que deu origem ao nome, "googol", significa o número 1 seguido de 100 zeros, e foi criada por uma criança, um sobrinho do matemático americano Edward Kasner.) Segundo a consultoria Interbrand, a marca da empresa foi a que mais se fortaleceu em 2007, alcançando valor estimado em 17,8 bilhões de dólares e a 20a posição no ranking das mais valiosas do mundo. A expansão acelerada tornou o Google um dos maiores mercados abertos de trabalho de que se tem notícia. Em média, são contratadas 16 pessoas por dia -- atualmente a empresa emprega 17 000 funcionários em 37 países.

Tudo isso aconteceu em apenas uma década. A combinação de inovação, tecnologia pura, relação íntima com os consumidores, rapidez, informalidade, reputação e crescimento meteórico baseado na conquista das melhores cabeças espalhadas pelo mundo transformou o Google no símbolo do que é a Empresa (assim mesmo, com letra maiúscula) do século 21. Construir uma companhia inovadora é difícil. Mantê-la assim, quando se tem uma estrutura gigantesca nas mãos e uma miríade de interesses conflitantes para acomodar, é quase impossível. "Preservar a cultura da nossa empresa enquanto crescemos é definitivamente um de nossos maiores desafios", disse a EXAME Eric Schmidt, principal executivo do Google desde 2001 (leia entrevista na pág. 28). Outras empresas, algumas vizinhas ao Google no Vale do Silício, já enfrentaram o mesmo dilema -- nem sempre com sucesso. O paralelo mais próximo dessa transformação talvez seja a trajetória da Microsoft, que após décadas de crescimento inacreditável sentiu o peso do gigantismo sobre sua capacidade de se renovar. A empresa de Bill Gates mudou o mundo de forma incontestável, fez de nerds milionários, arruinou concorrentes. Mas, com o tempo, entrou num círculo vicioso que começa e termina na perda de talentos e na dificuldade de inovar na era da internet. Foi esse cenário que levou a Microsoft a, recentemente, fazer uma oferta de 44,6 bilhões de dólares pelo Yahoo!, numa tentativa de comprar o conhecimento necessário para duelar com o Google daqui para a frente.

É evidente que o espectro da Microsoft ronda o futuro do Google. Mas, durante um bom tempo, Page e Brin pareceram querer ignorar as mudanças que se impõem à medida que a empresa cresce e construíram uma espécie de versão corporativa da Terra do Nunca -- o refúgio da história de Peter Pan, onde os habitantes nunca deixam de ser crianças. Para eles, era preferível barrar o crescimento e reduzir as possibilidades de ganho a perder a alma. Os dois relutaram durante 18 meses para nomear um presidente executivo, apesar da insistência dos investidores de risco dos fundos americanos Sequoia Capital e Kleiner Perkins Caufield & Byers, que aportaram 25 milhões de dólares no Google em 1999. Eric Schmidt, o escolhido, veio da americana Novell. A dupla também adiou a abertura de capital da empresa o quanto pôde. O IPO, que aconteceu em agosto de 2004 e captou 1,7 bilhão de dólares, já era esperado pelo mercado havia quase um ano. Devido a esse esforço para manter a alma juvenil, até hoje os escritórios da sede, em Mountain View, parecem mais com dormitórios universitários do que com as dependências da empresa globalizada em que o Google se transformou. Quem passa pela sala da engenheira Shona Brown, vice-presidente de operações, por exemplo, dá de cara com um pingüim de pelúcia e a placa "Shona's Huddle" (em português, algo como "O aconchego de Shona"). O transporte usado para se deslocar entre os prédios da sede também segue os despojados costumes dos universitários de Stanford: bicicletas azuis ou patinetes motorizadas cedidas pela companhia.

PARA CRESCER SEM ABRIR MÃO DA ESSENCIA, o Google terá de vencer enormes desafios. O primeiro deles é demográfico. Nos últimos quatro anos, o número de funcionários mais que quintuplicou. Contratar quase 500 pessoas por mês, em vários países do mundo, tem desafiado um sistema que tradicionalmente revira o histórico e o perfil dos candidatos antes da contratação. Até pouco tempo atrás, o processo de escolha de um novo funcionário poderia envolver 18 entrevistas, às vezes em diferentes lugares do mundo. Os candidatos devem responder a perguntas para testar o raciocínio, como "Quantos pães cabem em um avião?" ou "Quantas árvores cabem no parque lá fora?", e para verificar traços de personalidade, como "Você se importaria se seu colega de baia trouxesse todos os dias um cachorro para o escritório?" (a quem interessar possa, a resposta certa para essa questão é não). O modelo foi criado quase por acaso, ainda nos primórdios do Google. Como a então start-up era pequena e desestruturada, um colega sempre pedia a opinião de outros antes de contratar alguém. Brin e Page se envolviam pessoalmente, imbuídos da crença de que o sucesso depende da qualidade de quem está a seu lado. O sistema era parecido com o das irmandades universitárias. Para fazer parte do Google, não era suficiente ser aprovado pelo futuro chefe. Era -- e ainda é -- preciso ser aceito pelo grupo. A maratona das entrevistas tornou-se improdutiva à medida que o número de novos funcionários mudou de patamar. "Fazíamos entrevistas demais e não conseguíamos informações novas com elas", diz Laszlo Bock, vice-presidente de pessoas do Google. Bock, ex-diretor da General Electric, foi contratado em março de 2006 para ajudar a reestruturar, entre outras coisas, o processo de seleção. No fim daquele ano, ele limitou o total de entrevistas a um máximo de nove, o que reduziu em 30% o tempo gasto com o processo de seleção -- que ainda hoje leva até 60 dias.

Mesmo com a revisão do processo e com a supervisão de um executivo de recursos humanos que fez carreira numa empresa centenária, o sistema de contratação no Google ainda segue alguns princípios que pareceriam impensáveis numa companhia tradicional. O aspecto mais surpreendente é que até hoje os fundadores reservam um dia por semana para revisar cerca de 40 páginas sobre cada um dos candidatos escolhidos e dão a palavra final para todas as contratações. Na hora de buscar os talentos, a companhia também foge do modelo convencional. Alguns métodos, que o Google não revela por considerar estratégicos, permanecem em segredo até mesmo para os contratados. Um exemplo é o engenheiro paraibano Walfredo Cirne, de 37 anos. Em setembro de 2005, ele inesperadamente recebeu um e-mail de uma funcionária do Google com quem jamais havia tido contato anteriormente. "De cara ela dizia que estava interessada em me levar para a empresa. Achei que era um spam", diz Cirne, que na época lecionava ciência da computação na Universidade Federal de Campina Grande e trabalhava num projeto que possibilita a internautas compartilhar a capacidade de processamento de seus computadores para rodar programas pesados. "Até hoje não consegui saber como foi que me encontraram e o que exatamente chamou a atenção da recrutadora", diz ele, que agora tem a função de construir softwares para a empresa em Mountain View.

Mais recentemente, o Google colocou um freio numa de suas políticas mais polêmicas -- o lema "Contrate o quanto puder". "Provavelmente poderíamos bancar o custo das contratações a mais, mas queremos ser mais conservadores com as finanças daqui para a frente", diz a americana Stacy Sullivan, vice-presidente de cultura do Google, uma veterana com nove anos de casa. "Também temos de admitir que é impossível assimilar tantas pessoas novas, desenvolvê-las e gastar tempo suficiente para ajudá-las em sua carreira." Em vez de centrar esforços em fazer a equipe crescer, agora o Google precisa organizar a horda de funcionários que vem acumulando em seus escritórios. Uma das tarefas mais complexas é estabelecer a hierarquia da empresa -- são cada vez mais raros os departamentos com apenas dois escalões entre os funcionários mais rasos e os vice-presidentes, uma estrutura que durante muito tempo foi a regra no Google. No final de 2006, quando a engenheira americana Irene Au chegou à empresa para comandar a área de experiência com o usuário (que estuda como tornar o uso dos produtos mais fácil e eficiente), imediatamente ganhou 60 subordinados diretos. No Yahoo!, onde deixara um cargo semelhante, tinha apenas dez. "Precisei criar um escalão intermediário, porque era impossível atender a todos", diz Irene, que hoje possui 22 subordinados diretos.

O fluxo aberto de informações, um dos alicerces da inovação na companhia, também foi colocado em xeque nos últimos tempos. Ainda hoje, qualquer engenheiro tem acesso a detalhes de novos projetos, de modo que todos possam colaborar para a inovação -- prática incomum na maioria das grandes empresas, que preferem manter seus segredos bem guardados. Em outubro, porém, um vazamento inédito trouxe a público a informação de que o Google lançaria dois produtos: o Open Social, que permite a programadores acrescentar ferramentas a redes sociais, como o Orkut; e o Android, sistema operacional aberto para celulares. O "furo" deixou os executivos da empresa estarrecidos -- mais que um segredo revelado, o episódio expunha uma fresta na cultura de irmandade do Google. Dias após o vazamento, durante uma videoconferência com todos os funcionários da sede, o vice-presidente de comunicação, Elliot Schrage, pediu que dali em diante houvesse mais discrição. Do contrário, segundo ele, a cultura da companhia poderia ser destruída.

Um estirão como o do Google também deixa marcas físicas. Em alguns departamentos, a superlotação acabou fazendo com que salas de reunião se transformassem em escritórios. Por isso, a empresa não pára de comprar ou construir prédios vizinhos à sua sede. "Tive de mudar de escritório uma vez por ano desde que entrei aqui", diz o carioca Luiz Barroso, de 43 anos, que foi contratado pelo Google em 2001 e hoje ocupa o posto de "engenheiro honorário" -- o topo da carreira técnica na empresa, alcançado por apenas outros sete profissionais. Quando Barroso foi contratado, o Google tinha somente 200 funcionários. Com o crescimento da empresa, ele foi alçado a cargos de chefia. "Com o tempo, fiquei com saudade de minha vida de pesquisador", diz ele. "Como gerente, eu gastava dois terços do meu dia recrutando e orientando novos funcionários. Não era o que eu queria fazer." Poderia ser o fim de sua carreira. Mas no Google as coisas não funcionam assim. Barroso voltou a fazer o que gostava, com status de guru da área técnica. Nos demais escritórios nos Estados Unidos e no exterior, a corrida por espaço também segue acelerada. Já são mais de 100 endereços no mundo, e nem mesmo o presidente da companhia consegue acompanhar o ritmo. Recentemente, Schmidt se assustou durante uma viagem pelos Estados Unidos ao ser informado por alguém do departamento financeiro de que o avião em que estavam sobrevoava um prédio da companhia. Surpreso, ele perguntou: "Nós compramos este prédio?"

Uma das necessidades que surgiram no caminho da expansão internacional do Google foi conhecer de perto os hábitos e as preferências de internautas de diversos países. Os primeiros profissionais responsáveis pela cara dos produtos da empresa pensavam apenas nos usuários americanos. "Achávamos que todos eram como nós, mas o comportamento das pessoas no resto do mundo é bem diferente", diz a executiva Irene Au, contratada no fim de 2006 para ajudar a mudar a situação. A solução encontrada já havia sido testada por companhias tradicionais, como Procter & Gamble e Unilever: colocar gente na rua para descobrir quem eram, afinal, as pessoas que acessavam os sites do Google em 115 línguas além do inglês. Um time de 80 pesquisadores com formações diversas -- de psicólogos a antropólogos -- foi despachado para países como Índia e China. Nesses lugares, eles ficaram "internados" na casa de usuários por até três semanas. As observações colhidas foram levadas para a sede e hoje ajudam designers e engenheiros do Google a desenvolver seus produtos. Na Coréia, por exemplo, os detetives do Google descobriram que a página de abertura do site, quase toda branca, era interpretada pelos usuários como "inacabada". A solução foi adicionar elementos coloridos ao site. "O Google é uma empresa de engenheiros, centrada em fatos e dados. Estamos aprendendo a lidar com o lado humano do negócio", afirma Irene.

Com o crescimento, torna-se difícil administrar outra característica que poderia parecer caótica a qualquer outra empresa tradicional -- e que representa um aspecto fundamental da engrenagem de inovação do Google. Os fundadores da empresa estimulam os engenheiros a usar 20% de seu tempo de trabalho para desenvolver novos projetos. É inevitável que alguns desses projetos se repitam -- numa empresa com aproximadamente 9 000 engenheiros espalhados pelo mundo é difícil ter idéias completamente inéditas. Com o gigantismo da companhia, a seleção dos melhores projetos tende a se tornar cada vez mais complexa -- são pelo menos 9 000 idéias a ser avaliadas por ano, que podem trombar com projetos de outros profissionais e morrer. "Quando entrei, a chance de alguém desenvolver algo que outra pessoa já houvesse feito era quase nula", afirma o americano Bret Taylor, que trabalhou na empresa entre 2003 e 2007 e foi um dos criadores do Google Maps, serviço de localização por satélite. "Hoje, essa possibilidade é muito maior, e coordenar as equipes para evitar esse problema tem um custo alto. É como um imposto natural para uma companhia que cresceu tanto", diz ele.

Desde fevereiro, o Google está sendo obrigado a lidar com um novo e incômodo problema: a pressão por resultados. Depois que o instituto de pesquisas ComScore revelou que a quantidade de anúncios pagos -- os que são clicados por internautas e geram receita para o Google -- praticamente não cresceu nos dois primeiros meses do ano, analistas e investidores ficaram assustados. O temor de que o gigante das buscas poderia estar sendo afetado pela recessão na economia americana derrubou o preço das ações para 413 dólares em 10 de março, o menor valor desde outubro de 2006 (em novembro, os papéis tinham ultrapassado 700 dólares). Os dois maiores mercados da companhia, Estados Unidos e Reino Unido, que respondem por dois terços da receita, estão desacelerando. No americano, a taxa de crescimento das vendas caiu de 61% em 2006 para 44% em 2007. No Reino Unido, a queda foi de 83% para 58%. Por isso, o Google vem apostando no cres cimento dos mercados emergentes -- em 2007, a operação brasileira, que reúne cerca de 200 funcionários, foi a que mais cresceu no mundo (a empresa não revela os números). "Este será um ano de transição na vida do Google", diz Ross Sandler, analista do banco canadense de investimentos RBC Capital Markets. Com o sinal amarelo, é possível que os investidores passem a colocar o Google sob a lupa. "Como tudo ia bem, poucos se preocupavam com a gestão. Mas, agora, os questionamentos começam a aparecer." Um deles é sobre a polêmica decisão da empresa de investir também na mídia tradicional. Em 2006, o Google decidiu levar para o mundo offline os mesmos princípios que norteiam a empresa na web -- pequenos anunciantes poderão entrar na TV, por exemplo, com publicidade direcionada de acordo com os interesses dos espectadores. "Até o fim do ano, Wall Street deve finalmente sair do estágio de lua-de-mel com o Google e exigir que a companhia consolide seu controle em mercados em que o lucro é seguro: busca e anúncios em sites", afirmou em janeiro em seu blog o jornalista John Battelle, autor do livro A Busca, sobre a trajetória do Google e o mercado de busca.

O Google continua a ser um lugar quase idílico, com atmosfera informal, cardápios produzidos por chefs de cozinha e cachorros perambulando pelos escritórios. Mas, aos poucos, os controles estão tornando a empresa de Larry Page e Sergey Brin um pouco mais parecida com as companhias habitadas pelos simples mortais. Desde o ano passado, por exemplo, a oferta de suprimentos como baterias e adaptadores para computadores deixou de ser livre. Agora, cada empregado tem de registrar o que pegou. A compra de laptops, que também era decidida livremente, foi limitada. "Foi uma revolução lenta. Hoje, estamos mais conscientes do orçamento", diz Stacy, a executiva de cultura do Google. Até mesmo a generosa política de alimentação gratuita dos funcionários está sendo reavaliada -- o Google oferece café da manhã, almoço e jantar aos funcionários, além de abastecer cafeterias em todos os andares dos prédios com lanches, frutas, chocolates, sobremesas orgânicas e até ovos cozidos. (Alguns novatos chegaram a engordar 7 quilos nos primeiros três meses de trabalho na sede de Mountain View.) Segundo Stacy, uma equipe de recursos humanos está formulando um sistema para informar mensalmente a cada funcionário o valor das refeições e dos lanches consumidos. O objetivo, pelo menos por enquanto, é apenas conscientizá-los dos custos do Google e evitar possíveis exageros. A preocupação com as finanças poderia tornar o Google uma empresa convencional? "Não", diz Stacy. "Estamos sendo apenas uma empresa responsável."Até agora, essas mudanças não parecem causar impacto no clima entre os funcionários. Em 2006 e 2007, o Google foi eleito a melhor empresa para trabalhar nos Estados Unidos pela revista Fortune. Embora a companhia tenha registrado baixas, é possível ver dezenas de funcionários que literalmente vestem a camisa e vão ao trabalho com roupas que estampam o logotipo do Google. Um dos objetivos comuns a todo esse pessoal é hostilizar a arqui-rival Microsoft. Em Mountain View, é possível ler frases em murais como "Amigo que é amigo não deixa ninguém usar Internet Exploder", uma brincadeira com a semelhança entre os termos "explorador" (explorer, o nome do navegador da Microsoft) e "explosivo" (exploder). A maior ironia dessa rivalidade é que o Google -- a única empresa de tecnologia a conseguir abalar a hegemonia da Microsoft -- nasceu num prédio de Stanford batizado de William Gates Computer Science.



CASE: GURGEL

GURGEL

1ª PARTE

A cidade de Rio Claro, no interior de São Paulo, já sediou uma importante indústria nacional de automóveis, que em 25 anos produziu utilitários, carros urbanos e até elétricos. Foi fundada em 1º de setembro de 1969 pelo engenheiro mecânico e eletricista João Augusto Conrado do Amaral Gurgel, que sempre sonhou com o carro genuinamente brasileiro. Devido às exportações que sua empresa passou a fazer com o sucesso dos produtos, ele sempre dizia que sua fábrica não era uma multinacional, e sim "muitonacional". O capital era 100% brasileiro. Este homem dinâmico e de grandes idéias formou-se na Escola Politécnica de São Paulo em 1949 e, em 1953, no General Motors Institute nos Estados Unidos. Conta-se que, ao apresentar o projeto de um automóvel popular, o Tião, ao professor, teria ouvido: "Isto e coisa para multinacionais. Carro não se fabrica, Gurgel, se compra".

Gurgel começou produzindo karts e minicarros para crianças. Em 1969 fundou a Gurgel Veículos, seu primeiro modelo foi um bugue com linhas muito modernas e interessantes. Chamava-se Ipanema e utilizava chassi, motor e suspensão Volkswagen. Gurgel sempre batizou seus carros com nomes bem brasileiros e homenageava nossas tribos de índios.

Em 1973 chegava o Xavante, que deu início ao sucesso da marca. Este foi seu principal produto durante toda a evolução e existência da fábrica. De início com a sigla X10, era um jipe que gostava de estradas ruins e não se importava com a meteorologia. Sobre o capô dianteiro era notável a presença do estepe. Sua distância do solo era grande, o pára-brisa rebatia para melhor sentir o vento e a capota era de lona. Tinha linhas curvas, seguindo uma tendência dos bugues da época. Um par de pás afixadas nas portas chamava a atenção e logo anunciava o propósito do veículo. O jipe era equipado com a tradicional, simples e robusta mecânica Volkswagen refrigerada a ar, com motor e tração traseiros. O acesso ao motor nunca foi dos mais favoráveis: era feito por uma tampa estreita e não muito comprida. O chassi era uma união de plástico e aço (projeto patenteado pela Gurgel desde o início de sua aplicação, denominado Plasteel), que aliava alta resistência a torção e difícil deformação. A carroceria era em plástico reforçado com fibra-de-vidro (FRP). Conta-se que, na fábrica, existia um taco de beisebol para que os visitantes batessem forte sobre a carroceria para testar a resistência. Não amassava, mas logicamente o teste pouco comum era feito antes de o carro receber pintura. Pelo emprego destes materiais a corrosão estava completamente banida. A carroceria e o chassi formavam um só bloco. As rodas, as mesmas da Kombi, eram equipadas com pneus de uso misto. A suspensão, como no Fusca, era independente nas quatro rodas, em um conjunto muito robusto, mas na traseira a mola era helicoidal, em vez da tradicional barra de torção. Para subir ou descer morros não havia grande dificuldade. A carroceria tinha ângulo de entrada de 63 graus e 41 graus de saída.

Além do Plasteel, outro recurso interessante do Xavante era o Selectraction. Tratava-se de um sistema movido por alavancas, ao lado do freio de estacionamento, para frear uma das rodas traseiras. Era muito útil em atoleiros, pois freando uma das rodas que estivesse girando em falso - característica de todo diferencial - a força era transmitida à outra, facilitando a saída do barro. Com este sistema o carro ficava mais leve e econômico do que se tivesse tração nas quatro rodas e a eficiência era quase tão boa quanto.

O Xavante logo agradou ao público, por sair da concepção tradicional dos bugues, e ao Exército brasileiro, que fez grande encomenda. Havia uma versão militar especialmente produzida para este fim, o que deu ótimo impulso à produção. Na primeira reestilização, em 1975, as linhas da carroceria ficaram mais retas. O estepe agora ficava sob o capô, mas o ressalto neste anunciava sua presença. Sobre os pára-lamas dianteiros ficavam as lanternas de direção, idênticas às do Fusca.

Além do X10, mais simples, existia o X12, versão civil do jipe das forças armadas. O motor era o mesmo 1,6-litro de um só carburador, que fornecia 49 cv e usava a relação de diferencial mais curta do Fusca 1300 (4,375:1 no lugar de 4,125:1). Atrás das portas havia uma pequena grade plástica para ventilação do motor. A velocidade final não chegava a empolgar: fazia no máximo 108 km/h e de 0 a 100 km/h levava penosos 38 s. Mas seu objetivo era mostrar serviço e desempenho com relativo conforto em caminhos difíceis, pouco apropriados a carros de passeio. Sua estabilidade era crítica em ruas de asfalto ou paralelepípedo. Nas pistas, ruas e estradas era melhor não arriscar nas curvas. O jipe gostava mesmo de lama, terra, água, neve, praia, montanha e floresta, que eram seu hábitat natural. Era fácil de estacionar, de dirigir e de domar. Por causa de todo o conjunto muito robusto, era um veículo barulhento para o dia-a-dia.


2ª PARTE

Em 1974 a Gurgel apresentava um pioneiro projeto de carro elétrico. O Itaipu, alusão à usina hidrelétrica, era bastante interessante: ótima área envidraçada, quatro faróis quadrados e um limpador sobre o enorme pára-brisa, que tinha a mesma inclinação do capô traseiro. Visto de lado, era um trapézio sobre rodas. Era um minicarro de uso exclusivamente urbano para duas pessoas, fácil de dirigir e manobrar, que usava baterias recarregáveis em qualquer tomada de luz, como um eletrodoméstico.

Ele teria tudo para dar certo se não fosse os problemas a com durabilidade, capacidade e peso das baterias, o que até hoje ainda é um desafio. Um dos modelos elétricos se chamaria CENA, carro elétrico nacional, nome que ressurgiria no projeto do BR-280/800, com o "E" representando econômico".

Em 1976 chegava o X12 TR, de teto rígido. Suas linhas estavam mais retas e ainda transmitiam respeito; continuava um utilitário bastante rústico. Os faróis redondos agora estavam embutidos na carroceria e protegidos por pequena grade. Na frente destacava-se o guincho manual com cabo de 25 metros de extensão, por sistema de catraca, para situações fora-de-estrada. Na traseira, sobre a pequena tampa do motor, havia um tanque de combustível sobressalente de 20 litros ou, como alguns gostavam de chamar, camburão. Era um dispositivo útil e bem-vindo para as aventuras fora-de-estrada. Na frente, o pequeno porta-malas abrigava o estepe e o tanque de combustível de 40 litros. Para as malas havia quase nenhum espaço, e o painel, muito simples, continha o estritamente necessário.

O chassi Plasteel continuava como padrão, e a fábrica oferecia uma garantia inédita de 100.000 quilômetros. Fato interessante é que todo Gurgel tinha carrocerias originais: o engenheiro nunca copiou nada em termos de estilo, coisa corriqueira hoje em dia entre fabricantes de veículos fora-de-estrada. Em 1979 toda a linha de produtos foi exposta no Salão do Automóvel de Genebra, na Suíça. Neste evento a propaganda do jipe nacional e o volume de vendas foram muito bons. Em 1980, depois de cinco anos de estudo, outro veículo de tração elétrica, o Itaipu E400, ia para os primeiros testes. Tratava-se de um furgão com desenho moderno e agradável. Sua frente era curva e aerodinâmica, com amplo pára-brisa e pára-choque largo com faróis embutidos. Nas laterais havia somente os vidros das portas e os quebra-ventos; o resto era fechado. O painel era equipado com velocímetro, voltímetro, amperímetro e uma luz-piloto que indicava quando a carga estava por acabar. As baterias eram muito grandes e pesadas, cada uma com 80 kg e 40 volts. O motor elétrico era um Villares de 8 kW (11 cv) e girava a 3.000 rpm máximas. Apesar da potência ínfima, os elétricos conseguem boa aceleração porque o torque é constante em toda a faixa útil de rotações. Tinha câmbio de quatro marchas, embreagem e transmissão.

O consumo, se comparado a um carro a gasolina, seria de 90 km/l, mas a autonomia era pequena, de apenas 80 quilômetros. Para recarregar eram necessárias em média 7 horas numa tomada de 220 volts. Devido a este fator, era um veículo estritamente urbano. A velocidade máxima estava por volta de 80 km/h em grande silêncio, uma das grandes vantagens de um carro elétrico é não poluir com gases nem com barulho.

Primeiramente ele foi vendido a empresas para testes. Depois da versão furgão viriam a picape de cabines simples e dupla e o E400 para passageiros. O E400 CD (cabine dupla) era um misto de veículo de carga e passageiros, lançado em 1983. Com a mesma carroceria foi lançado um modelo com motor Volkswagen "a ar" e dupla carburação, que tinha a denominação G800. Ele trazia a mesma robustez e muito espaço interno para passageiros. Na versão CD havia um detalhe curioso: três portas, duas na direita e a outra na esquerda para o motorista. Do mesmo lado, atrás, vinha um enorme vidro lateral. Ganhava o passageiro que se sentasse deste lado, pois tinha ampla visibilidade. O G800 pesava 1.060 kg e podia carregar mais 1.100kg, sendo um utilitário valente e robusto.
3ª PARTE
Em 1980 a linha era composta de 10 modelos. Todos podiam ser fornecidos com motores a gasolina ou álcool, apesar de o engenheiro Gurgel combater muito o combustível vegetal. O álcool era subsidiado pelo governo, o que tornava o preço final para o consumidor mais baixo que a gasolina. Esta era a única forma de estimular o uso de um combustível que, pelo menor poder calorífico, resulta em um consumo cerca de 30% maior. O engenheiro achava que seria mais coerente usar essas terras para plantar alimentos para a população do que para alimentar veículos. Mais tarde ele poria fim às versões a álcool na marca.

Faziam parte da linha o X12 TR (teto rígido), o jipe comum com capota de lona (que era a versão mais barata do X12), o simpático Caribe, a versão Bombeiro, o X12 RM (teto rígido e meia capota) e a versão X12 M, militar. Este ultimo, exclusivo para as Forças Armadas, já vinha na cor-padrão do Exército, com emblemas nas portas e acessórios específicos. Numa outra faixa de preço havia o monovolume X15 TR de quatro portas,a picape cabine-dupla CD, a versão cabine-simples (CS), o cabine-simples com capota de lona e o Bombeiro. As versões Bombeiro de ambos modelos eram equipadas com luzes giratórias sobre o teto. Outros acessórios específicos também já saíam de fábrica para estas versões.

O X15, lançado em 1979, era um furgão com estilo bastante original. Parecia um veículo militar de assalto, um pequeno carro-forte. Logo teria versões picape de cabine simples e dupla. O furgão podia transportar até sete pessoas, ou duas e mais 500 kg de carga. Como os demais, usava a mecânica VW "a ar". Todos os vidros da carroceria, inclusive o pára-brisa, eram planos, sem nenhuma curvatura. Na frente muito inclinada, o pára-brisa era dividido em dois vidros, sendo que um deles, em frente ao motorista, ocupava 3/4 de toda a área frontal na versão militar (na civil os vidros tinham a mesma largura). Nesta versão também havia o guincho, faróis protegidos por grade, pequenas pás afixadas nas portas e capota de lona. Seu ângulo de entrada e saída para enfrentar rampas acentuadas era tão bom quanto o do X12. Tinha um ar muito robusto, com 3,72 m de comprimento, 1,90 m de largura e a altura total de 1,88 m, era um tijolo sobre rodas. Os faróis eram embutidos no largo e ameaçador pára-choque preto. Em 1981, como novidade bem-vinda, os freios dianteiros no X12 passaram a ser a disco e a suspensão dianteira estava mais robusta. Novos detalhes de acabamento também o deixaram mais "luxuoso". Para o X15, era lançada a versão Van-Guard. Atrás dos bancos dianteiros havia dois colchões com revestimento plástico estampado, que combinavam com pequenos armários embutidos. Cortinas nas janelas e até um ventilador completavam o ambiente descontraído. O carro tinha um visual hippie. Na parte externa, faixas triplas e grossas nas laterais e o estepe fixado na traseira com cobertura nos mesmos tons da carroceria. Tinha só duas portas e, nas laterais, um vidro basculante retangular grande. Ideal para quem curtia acampar e programas ecológicos. Nesta versão ele ficou menos sisudo.

Também foi lançado o G15 L, picape cabine-simples mais longa (3,92 m) derivado do X15, que podia transportar até uma tonelada de carga. O tanque de combustível era de 70 litros e podia receber outro de mesma capacidade para aumentar a autonomia (vigorava então o absurdo e ineficiente regime de postos fechados nos fins de semana). Além da versão padrão, havia a cabine-dupla de duas ou quatro portas e a furgão.

A valente empresa nacional crescia. A fábrica tinha uma área de 360 mil m2, dos quais 15 mil eram construídos. Contava com 272 empregados entre técnicos e engenheiros, que dispunham de assistência médica e transporte. Só era menor em número de funcionários do que a Puma, no que se referia a pequenos fabricantes.
Em 1977 e 1978, a Gurgel foi o primeiro exportador na categoria veículos especiais e o segundo em produção e faturamento. Cerca 25% da produção seguia para fora do Brasil. Eram fabricados 10 carros por dia, sendo o X12 o principal produto da linha de montagem. A unidade de negócios era o Gurgel Trade Center, numa importante avenida da capital paulista. Havia um escritório executivo e um grande salão de exposição, além de um centro de apoio técnico aos revendedores.

No final de 1981 era desenvolvido o modelo Xef. Com duas portas e três volumes bem definidos, era um carro urbano bastante interessante. Contava com três bancos dianteiros, recurso pouco comum já aplicado no francês Matra Baghera. Mas este ultimo era um esportivo. Três adultos de boa estatura acomodavam-se com dificuldade e o acesso era digno de contorcionistas. O espaço para bagagem era mínimo.

4ª PARTE

Em 1982 o X12 normal seguia seu caminho na produção e nas estradas de terra, lama e areia do Brasil. Com a mesma carroceria mais reta da versão de teto rígido (TR), continuava com o pára-brisa dobrável e a capota de lona presa com botões de pressão. Os retrovisores externos e internos eram fixados na estrutura do pára-brisa. Tudo muito prático e simples. A carroceria agora recebia uma faixa branca que contornava a porta e o pára-lama. As portas eram de plástico reforçado. O pequeno e simpático jipe recebia opcionalmente rodas esportivas, brancas e bonitas, de 14 pol (pneus 7,00 x 14) no lugar das originais de 15 pol. Na versão Caribe a capota e os bancos eram listrados com cores vivas e alegres, que combinavam com a carroceria no mesmo tom, e as rodas brancas eram de série.

Em 1983 a versão de teto rígido do X12 recebia uma clarabóia no teto, bastante útil para refrigerar a cabine. Um defeito na versão TR que jamais foi sanado era que sua porta era presa ao pára-lama dianteiro por dobradiças. Qualquer um armado com uma chave Phillips podia desmontar a porta, entrar no jipe para roubar objetos ou mesmo dar uma voltinha com ele.

No modelo 1985 as novidades externas eram nova grade, pára-choques e lanternas traseiras. Por dentro o painel e o volante também eram mais modernos. A versão de luxo contava com bancos com encosto alto alem da clarabóia. Na parte mecânica vinham como novidade ignição eletrônica, nova suspensão traseira e diferencial com outra relação, que o deixou mais veloz em rodovias, econômico e silencioso. No mesmo ano a VW introduziu no Fusca a relação 3,875:1 como parte do pacote que objetivava redução de 5% no consumo médio de combustível. Como a Gurgel dependia do fornecimento da VW, a modificação foi estendida ao X12.

No ano anterior, a Gurgel lançava o jipe Carajás, outro nome indígena. As versões eram TL (teto de lona), TR (teto rígido) e MM (militar). Versões especiais ambulância e furgão também existiram. Um detalhe que logo chamava a atenção era o grande estepe sobre o alto capô dianteiro, solução inspirada nos Land Rovers que prejudicava a visibilidade frontal. De frente era notável a grade preta com quatro faróis retangulares, iguais aos do Passat. Opcionalmente podia vir com o guincho.

Carajas, o jipão

O Carajás era um jipão na melhor definição. Chamava a atenção por onde passasse. Tinha duas portas laterais e uma traseira com abertura meio a meio. Sobre o teto, uma clarabóia para ventilar a cabine. Dentro havia um forro duplo do teto, com cinco difusores de ar, dois para os passageiros da frente e três para os de trás - e funcionava bem. Sobre o teto, como opcional, era oferecido um enorme bagageiro.
A carroceria, em plástico reforçado com fibra-de-vidro, tinha sempre cor preto-fosco no teto. O detalhe podia mascarar sua altura, mas concorria para aquecer o interior. Os bancos dianteiros, com encosto para cabeça, corriam sobre trilhos e facilitavam a entrada de passageiros atrás. A posição de dirigir era boa só para as pessoas mais altas.

O chassi Plasteel também estava presente, junto com o sistema Selectraction. O motor dianteiro de 1,8 litro e 85 cv, refrigerado a água, era o mesmo do Santana e podia ser a álcool ou a gasolina. Depois veio a versão com motor diesel de 1,6 litro e 50 cv, também refrigerado a água e usado na Kombi. Um detalhe mecânico interessante era o TTS. Para transmitir a força do motor para as rodas traseiras, era usado o Tork Tube System, um tubo de aço, com uma árvore de transmissão de aço em seu interior, que interligava o motor dianteiro ao conjunto traseiro de embreagem, câmbio, diferencial e semi-árvores. Uma ótima solução, encontrada pelo fato de o Carajás usar quase todo o conjunto mecânico do Santana, que é de tração dianteira. A caixa de mudanças, entretanto, era de Volkswagen "a ar".

O sistema era novidade no país, baseado num transeixo, ou transmissão e diferencial juntos, instalados na traseira de um veículo de motor dianteiro. Mas mostrou-se frágil, pois era muita potência do motor 1,8-litro transmitida para o conjunto traseiro previsto para motores 1,6 refrigerado a ar. A embreagem situava-se na dianteira do veiculo, junto ao volante motor, sendo um defeito relevante, pois a troca de marcha deveria ser feita com um tempo maior em relação a outros veículos, devido a inércia do conjunto TTS com o eixo primário da caixa de transmissão.

A suspensão do Carajás era independente nas quatro rodas. Na frente era utilizado o conjunto de eixo dianteiro da Kombi, enquanto na traseira a disposição era de braço semiarrastado com mola helicoidal. Apesar das dimensões e do peso do carro, era confortável, ótimo de curva, de rodar macio e tranqüilo no asfalto ou em terrenos difíceis. Sua capacidade de carga era de 750 kg.

Em 1988 eram apresentadas as versões VIP e LE do Carajás. As mudanças eram na porta traseira, agora numa peça só; nas maçanetas, capô e grade frontal, que passava a fazer parte da carroceria. Na VIP as rodas eram cromadas, os vidros fumê, a pintura metálica acrílica e os bancos tinham melhor revestimento. Mas o Carajás era caro para o público e não alcançou o sucesso esperado.
Em 1986 o nome do X12 havia foi trocado por Tocantins, acompanhado de ligeira reforma estética. O veiculo passou a apresentar linhas mais modernas, mas ainda lembrando bem suas origens. Ele deixou de ser fabricado em 1989.

Devido às exportações para o Caribe, o X12 atrapalhou e encerrou a produção do VW 181, utilitário de conceito similar feito pela filial mexicana da Volkswagen. As relações com a fábrica alemã, que eram ótimas, foram abaladas, mas o próprio Gurgel não queria ficar atrelado à VW a vida toda. Ele queria voar mais alto, e quase conseguiu.

5ª PARTE

Os Minicarros 100% nacionais

Além dos utilitários, Gurgel sonhava com um minicarro econômico, barato e 100% brasileiro para os centros urbanos. Em 7 de setembro de 1987, segundo ele, dia da independência tecnológica brasileira, foi apresentado o projeto Cena, "Carro Econômico Nacional", ou Gurgel 280. Este era o primeiro minicarro da empresa, projetado para ser o mais barato do país. Os motores, de configuração única no mundo, eram como os VW 1.300 e 1.600 cortados ao meio: dois cilindros horizontais opostos, 650 ou 800 cm3 , mas refrigerados a água. A potência seria de 26 ou 32 cv conforme a versão.

O carro seria lançado em opções 280 S, de sedã, e 280 M, de múltiplo, com capota removível - restariam, porém, as molduras das portas e vidros laterais, bem como uma barra estrutural do teto. Solução interessante era o porta-luvas, uma maleta executiva que podia ser removida. Com a evolução do projeto, o motor menor foi abandonado e a cilindrada fixada em 0,8 litro, originando o nome BR-800. O motor fundido em liga de alumínio-silício era batizado como Enertron e projetado pela própria empresa. Este motor foi inteiramente pesquisado e desenvolvido pela Gurgel no Brasil, e ainda contou com elogios de marcas consagradas, como a Porshe, Volvo, Citroën e vários especialistas em motores. O avanço de ignição era controlado por um microprocessador (garantido durante cinco anos) e não havia necessidade de distribuidor, pois o disparo era simultâneo nos dois cilindros, idéia aproveitada dos motores Citroën de disposição semelhante.

O sistema de ignição era outra patente da Gurgel.

O pequeno motor reunia alguns aspectos notáveis. Por exemplo, podia ser levado a praticamente 6.000 rpm sem flutuação de válvula (fechamento incompleto devido à velocidade excessiva), o que o motor VW não tolerava, mal passando de 5.000 rpm. A refrigeração a água com ventilador elétrico funcionava muito bem. A velocidade máxima era de 117 km/h.

Gurgel, sempre querendo incorporar avanços, idealizou o motor sem correia trapezoidal para acionar acessórios, como o alternador, visando facilidade de manutenção, preocupação nada desprezível. Para isso, o alternador era acoplado diretamente ao comando de válvulas. Só que devido à rotação do comando ser metade da do motor, o alternador não desenvolvia potência suficiente em várias condições de uso, como todos os acessórios ligados ao dirigir moderadamente. O resultado era a descarga da bateria, uma inconveniência e tanto para o motorista. Assim, a fábrica não demorou para voltar atrás e modificar a montagem do alternador, que passou a receber movimento do motor pela maneira tradicional de polias e correia trapezoidal, e com redução apropriada (cerca de 2:1), resolvendo definitivamente o problema.
O BR-800 podia transportar quatro passageiros com relativo conforto e 200 kg de carga. Pesava 650 kg, tinha duas portas e vidros corrediços, o que prejudicava a ventilação da cabine. Para guardar objetos no pequeno porta-malas, abria-se o vidro traseiro basculante, que servia de porta; o acesso não era dos mais cômodos. Ainda assim era melhor do que a solução original de vidro traseiro fixo, em que era preciso acessar aquele compartimento por dentro do carro, como no Fusca. Por outro lado, o estepe tinha acesso muito prático por fora, em uma tampa traseira.

6ª PARTE

O Governo Federal, num louvável gesto de apoio à indústria nacional, concedeu ao carrinho o direito de pagar apenas 5% de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), enquanto os demais carros pagavam 25% ou mais dependendo da cilindrada. O objetivo de projetar um carro com o preço final de US$ 3000 não se concretizou, o preço acabou ficando por volta de US$ 7000, mas graças ao incentivo fiscal, ainda era cerca de 30% mais barato que os compactos de outras montadoras, a exemplo da época poderíamos citar o FIAT Uno.

Lançado em 1988, foi produzido até 1991. De início, a única forma de compra era a aquisição de ações da Gurgel Motores S/A, que teve a adesão de 8.000 pessoas. Sob uma campanha convidativa - "Se Henry Ford o convidasse para ser seu sócio, você não aceitaria?" -, foram vendidos 10.000 lotes de ações. Cada comprador pagou os US$ 7.000 pelo carro e cerca de US$ 1.500 pelas ações, o que se constituiu um bom negócio para muitos - no final de 1989 havia ágio de 100% pelas mais de 1.000 unidades já produzidas.

Em 1990, quando o BR-800 começava a ser vendido sem o pacote compulsório de ações, quando parecia estar surgindo uma nova potência (tupiniquim) no mercado automobilístico, o Governo isenta todos os carros com motor menor que 1000cm³ do IPI (numa espécie de traição à Gurgel). Assim a Fiat, seguida por outras montadoras, lançou quase que instantaneamente o Uno Mille com o mesmo preço do BR-800, mas que oferecia mais espaço e desempenho.
Tentando reagir a Gurgel lança em 1992 uma evolução do BR-800, o Supermini. Tinha um estilo muito próprio e moderno. Media 3,19 m de comprimento, sendo ainda o menor carro fabricado aqui. Estacionar era com ele mesmo, devido à pequena distância entre eixos (1,90 m) e uma direção leve. Tinha faróis quadrados, grade na mesma cor do carro, duas portas, dois volumes e boa área envidraçada. As linhas eram mais equilibradas que em seu antecessor.

A carroceria era em plástico FRP e tinha garantia de 100 mil quilômetros, alta resistência a impactos e, como tradição da fábrica, estava livre da corrosão. Era montada sobre um chassi de aço muito bem projetado e seguro, bem resistente à torção. Os pára-choques dianteiro e traseiro, assim como a lateral inferior, vinham na cor prata.

O Supermíni usava o mesmo motor bicilíndrico, só que um pouco mais potente (3cv a mais). Todo o conjunto motriz tinha garantia de fábrica de 30 mil quilômetros. Os vidros dianteiros não eram mais corrediços nem tinham quebra-ventos, e agora havia uma verdadeira tampa de porta-malas. O banco traseiro bipartido possibilitava o aumento da capacidade do porta-malas. O consumo era baixo. Fazia 14 km/l na cidade e, a uma velocidade constante de 80 km/h, até 19 km/l em quarta marcha.

Como destaques tinha motor com suspensão pendular, com coxim em posição elevada. A suspensão dianteira já não era mais a Springshock do BR-800 - mola e amortecedor combinados, fabricados na própria Gurgel, que apresentavam enorme deficiência -, mas uma disposição convencional de braços transversais superpostos com mola helicoidal. A traseira era por segmento de feixe de molas longitudinal. A versão SL trazia como equipamentos de série conta-giros, antena de teto, faróis com lâmpadas halógenas e rádio/toca-fitas. Até junho de 1992, 1.500 unidades do Supermini haviam sido vendidas.

Pouco depois a Gurgel mostrava o Motomachine, veículo bastante interessante. Acomodava dois passageiros e usava, entre outras peças, o mesmo motor do Supermíni. Tinha para-brisa rebatível, e tanto o teto de plástico quanto as portas em acrílico transparente eram removíveis. Era um carro de uso restrito, feito para a curtição ou o transporte básico nos grandes centros. Poucas unidades circulam e são dignas de apreciação e curiosidade.

O próximo projeto, batizado de Delta, seria um novo carro popular que usaria o mesmo motor de 800cm3 e custaria entre US$ 4000 e US$ 6000, mas não chegou a ser fabricado. Gurgel chegou a adquirir todas as máquinas-ferramenta que acabaram não sendo usadas.

Atolada em dívidas e enfraquecida no mercado pela concorrência das multinacionais, a Gurgel pediu concordata em junho de 1993. Houve uma última tentativa de salvar a fábrica em 1994, quando a Gurgel pediu ao governo federal um financiamento de US$ 20 milhões, mas este o foi negado, e a fábrica acabou fechando as portas no final do ano.

Sem dúvida o grande engenheiro João Gurgel deixou seu legado na indústria nacional. Foi um homem à frente do seu tempo, corajoso e patriota que infelizmente não conseguiu suportar sozinho a concorrência das grandes multinacionais.

O SONHO NÃO ACABOU

O sonho de Gurgel era ser fabricante de automóveis. Mais do que isso: um fabricante nacional de automóveis. Na época em que nasceu, a General Motors estava chegando ao Brasil; a Ford, fazia pouco que estava aqui. Estava em andamento a colonização industrial. Foi nesse ambiente que o menino João Augusto cresceu: carros vinham "de fora" ou eram montados a partir de peças e componentes importados, o que hoje se entende por CKD, sigla de completamente desmontado na língua inglesa. Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial em setembro de 1939, logo cessariam as importações de automóveis, em nome do esforço de guerra dos aliados contra o expansionismo alemão. Gurgel era adolescente, mas com idade suficiente para perceber o absurdo que era um país quase continente como o Brasil ficar sem locomoção devido a fatores externos. Foi nesse momento que acendeu nele a chama da idéia de fabricar automóveis. O resto da história de João Augusto Conrado do Amaral Gurgel é conhecido, que, inclusive, foi contado nas páginas anteriores. Ele quase chegou lá, tendo inclusive realizado o mais difícil numa fábrica de automóveis: produzir o motor. O que fica são perguntas: por que o Brasil não possui indústria automobilística própria, com empresas e marcas nacionais, como ocorre em inúmeras nações, das mais ricas e opulentas às menos expressivas? O que dizer do Japão, da Coréia do Sul e da Malásia, no outro lado do mundo, hoje com marcas próprias, muitas das quais notáveis, a pura expressão da tecnologia? Seriam seus povos seres superiores, dotados de inteligência e capacidade de trabalho várias vezes superiores ao nosso? É claro que não. Reunimos todas as condições para termos nossa própria indústria automobilística -- verdadeira, brasileira, e não os "transplantes" que aí estão e não param de chegar. Temos tecnologia mais do que suficiente para projetar e fabricar qualquer tipo de veículo. Se assim não fosse, a Embraer não seria o que é hoje, disputando ombro a ombro o mercado de aviação regional com poderosos e tradicionais grupos industriais -- e vencendo.
Se assim não fosse, não teríamos essa vasta aplicação de tecnologia de informação que faz do Brasil um destaque entre todas as nações, como a votação eletrônica e o ajuste anual do imposto de renda pela Internet. Recentemente vimos o fiasco que foi a apuração das eleições presidenciais no país mais poderoso do planeta... Não, o sonho de Gurgel não acabou, pois ele pode estar dentro de cada um de nos.


http://gurgelmotores.vilabol.uol.com.br/historia3parte.htm
Acesso em 15/05/2009 (Adaptado)

CASE: Anhanguera


A educação vai a bolsa de valores


Faculdades abrem o capital para crescer – e os estudantes também podem ganhar com isso

Poucos setores têm se transformado tanto no Brasil quanto o de ensino superior privado. O sinal mais claro disso é a recente entrada das universidades na bolsa de valores. Quatro grupos já abriram seu capital e logo virão pelo menos mais três, entre eles o Iuni (do Centro-Oeste), o Maurício de Nassau (o maior do Nordeste) e o Veris Educacional, ao qual pertence o Ibmec. O presidente do Veris, Eduardo Wurzmann, resume a motivação comum a essas empresas: "Não há maneira melhor de patrocinar a expansão das universidades". Redes de ensino superior não são uma novidade no país. Elas surgiram cerca de dez anos atrás. Com a bolsa, agora, ganham um novo – e decisivo – impulso. O grupo Kroton, dono das escolas e faculdades Pitágoras, chegou à bolsa com oito faculdades e hoje tem 25. O Anhanguera passou de dezessete para 47 instituições em pouco mais de um ano. Foi o grupo que mais deu certo: o valor das ações já cresceu 50%. Trata-se ainda de um caso emblemático da profissionalização pela qual passam as universidades. Basta saber que o presidente do grupo, o professor de matemática Antonio Carbonari Netto, resolveu abrir sua primeira faculdade no interior de São Paulo baseado numa "intuição". Uniu-se a três colegas e hipotecou a própria casa para conseguir um empréstimo no banco. "Virei empresário sem saber o básico", conta ele. Hoje, recebe investidores estrangeiros interessados em comprar suas ações.



O ingresso das faculdades no mercado de capitais não provoca apenas uma mudança fundamental na condução desse tipo de negócio no país. Pode representar, também, um avanço para os alunos. Foi o que se viu nos Estados Unidos, onde as universidades começaram a aventurar-se na bolsa quinze anos atrás. A breve experiência brasileira aponta para o mesmo tipo de ganho: mensalidades mais baixas, avanços na infra-estrutura e, por vezes, até a melhora do ensino. Ao abrirem o capital, as universidades juntam dinheiro para esparramar-se por vários endereços e logo se transformam em redes de ensino, nas quais tudo é pensado em grande escala. Na prática, nenhum funcionário vai mais à loja vizinha comprar papel e tinta ou uma impressora nova. Esses artigos são encomendados aos milhares, o que reduz os custos. Torna-se possível, por exemplo, a compra de equipamentos para um laboratório pela metade do preço – daí as chances de a infra-estrutura melhorar. Com esse tipo de economia, a margem de lucro de uma faculdade, que normalmente beira os 7%, chega a 20%. É por isso que grupos que entraram na bolsa, como Anhanguera e Estácio de Sá, conseguem cobrar mensalidades até 50% mais baixas.

Para certas faculdades, a entrada na bolsa acaba tendo ainda impacto positivo no nível do ensino (o que não faz mal às universidades brasileiras). Uma das razões remete, de novo, aos ganhos de escala. Numa rede, os custos com a confecção de currículos e material didático (parte do negócio que sai caro para as universidades) caem drasticamente. O mesmo material é adotado em dezenas de faculdades. Foi justamente por isso que o Kroton (grupo já tradicional no ensino básico, como o SEB, outro que entrou na bolsa) investiu alto na contratação de uma equipe de especialistas em diversas áreas, com a missão de elaborar um plano pedagógico. "Não conseguiríamos isso fora de uma rede de ensino", diz Alicia Figueiró, vice-presidente do grupo. Outro fator que pode impulsionar a melhora do ensino diz respeito à simples lógica do mercado: faculdades muito ruins espantam os investidores e, por isso, aquelas que vão à bolsa têm de se preocupar mais com o lado acadêmico. Diante de notas baixas em alguns de seus cursos em provas aplicadas pelo Ministério da Educação, a Anhanguera decidiu enviar professores para um curso de reciclagem. "Trata-se de uma questão de sobrevivência no longo prazo", afirma o especialista Ryon Braga.


A experiência de entrar na bolsa nem sempre é fácil, especialmente para um setor tão pouco profissionalizado. Para abrir o capital, os grupos precisam apresentar três anos de contas auditadas, um conselho de administração e metas bem definidas de expansão. Freqüentemente, uma reorganização dolorosa do negócio é necessária. A Estácio de Sá, o maior grupo de ensino superior do país, com quase 200 000 alunos, passou por maus momentos depois que entrou na bolsa. Faltou planejamento. Para se ter uma idéia, apenas seis meses antes da abertura do capital o grupo se tornou, oficialmente, uma instituição com fins lucrativos, requisito básico para o IPO. A evidente desorganização afastou os investidores, e o valor das ações caiu à metade. A reação veio há dois meses, quando o GP Investimentos, o maior gestor de recursos de terceiros no Brasil, comprou 20% das ações. Conferiu credibilidade ao negócio. O que atrapalhou a Estácio foi justamente o trunfo da Anhanguera. O grupo, hoje com 47 faculdades e previsão de faturamento neste ano de 600 milhões de reais, começou a se preparar para abrir o capital com quatro anos de antecedência. A transição deu-se com a supervisão do fundo de investimentos Pátria, hoje dono de 50% das ações. Enquanto os grandes grupos crescem, as pequenas faculdades sofrem. Como sabem que será difícil competir com uma rede de ensino, seus donos começam a passar o negócio adiante.

Ocorre hoje no Brasil um fenômeno que teve início nos Estados Unidos, na década de 90, quando grupos de ensino abriram capital na bolsa, motivados pela expansão num nicho até então pouco explorado: o ensino universitário para gente mais velha. Deu certo. O recente ingresso das faculdades brasileiras na bolsa é impulsionado por uma outra realidade, mais parecida com a da China e da Índia, onde grupos de ensino também abrem seu capital. Esses países têm ainda muitos jovens fora das universidades (87% deles no Brasil) e vivem momentos de expansão da economia – o que significa mais dinheiro no bolso das pessoas para pagar por educação. Não por acaso, são boas as perspectivas de expansão do faturamento nesse setor: os 20,5 bilhões de reais deste ano devem chegar a 28 bilhões de reais em 2012, segundo uma projeção da consultoria Hoper. São números polpudos o bastante para atrair estrangeiros. Eles já são a maioria dos investidores em universidades brasileiras na bolsa – e têm apostado também fora do mercado de ações.

O grupo americano Laureate foi o primeiro a se tornar sócio de uma universidade brasileira, a Anhembi Morumbi, em 2005. Na semana passada, o igualmente americano Apollo, o maior grupo de ensino do mundo, ofereceu 2,5 bilhões de reais pela Universidade Paulista (Unip), do empresário João Carlos Di Genio. É a maior proposta já feita nesse mercado. Mais um sinal de que a educação no Brasil se tornou não apenas um bom negócio, mas um negócio diferente.